25 abril, 2012

1,99


Quem a visse ali talvez pensasse que vivia uma vida fácil. Talvez alguém que passasse pela rua, naquele exato momento, enquanto seus dedos acariciavam a pequena caixa e o cigarro velava-lhe os lábios. Talvez alguém. Mas pela rua nenhuma espécie de gente passava, nenhum ruído se ouvia, apenas a voz do silencio. A noite mergulhava fundo, assim como as suas lembranças. Eram dedos, mãos e abraços. Memórias que falsamente tentava esquecer, guardando-as no calabouço que teu peito se tornou. Porém, aquele velho cheiro insistia em atormentá-la, as carícias ainda arrepiavam lhe os pelos só de lembrança. Tudo ainda era vivo.

Esperou o vento e deixou que ele levasse a fumaça do seu ultimo cigarro, anestesiou-se de lembranças e partiu. Se arco-íris um dia foi, agora era apenas um branco interminável.

Tomou a rua por onde andava sem rumo. O cabelo negro cobria-lhe parte da face, o vermelho nos lábios e a ausência de cor na alma. Assoviou uma canção antiga, do tempo que visitava a avó na cidadezinha do interior, sorriu para o moço que passeava pela rua, aquele sorriso de anjo, que por mais tristonho que fosse ainda encantava. Os dentes todos à mostra, porque preferia mostrar os dentes ou o corpo a mostrar a alma. Porque ela era Alma, mas Alma oca, sem cor.

 Adentrou a velha cafeteria deixando para trás o suspiro frio do vento; sentou-se na mesma mesa de sempre, procurando pelos bolsos o cigarro que havia pegado antes de sair de casa. Tragou e esperou que a nostalgia subisse ao céu junto com a fumaça; permitiu-se ouvir o barulho dos carros, preenchendo-se de vazio; e mesmo assim a dor não cessou. Admirou o copo cheio a sua frente, jamais perderia o velho costume. “Um chá e um café, por favor!” Bebericou o café, por quase um segundo, e o calor que desceu rasgando por sua garganta a fez estremecer, mas logo após o frio voltou a tomar conta de seu corpo com um grotesco calafrio ao subir-lhe a espinha. Mergulho nessa realidade intoxicante perdendo-se nos próprios ocos. Por fim, apagou o toco de cigarro em seu copo de café, levantou-se sem se incomodar com a conta que jazia paga e tomou seu rumo enquanto a pouco custo as lembranças retomavam a sua mente e a dor embrenhava-se com mais força em tuas entranhas.

Em passos largos chegou rápido ao apartamento vazio, e mesmo que as luzes das lâmpadas da rua insistissem em se infiltrar pelos interstícios da janela, jogou-se sobre a cama vazia esperando que o sono viesse e seu sonho a levasse de encontro a ele mais uma vez. Fechou os olhos, mas o sono não veio. “Porque você não desocupada minha cabeça e por consequência meu coração?” Pensou. Precisava de algo que apagasse as marcas dos dedos macios sobre o seu corpo, ou o gosto doce e quente beijo que se fora sem dizer adeus, apenas prometendo um dia devolver seu coração que comprou numa lojinha de 1,99 da esquina.

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